terça-feira, 8 de setembro de 2015

Se Deus me ama, por que eu sofro?


“Meu coração dentro em mim se angustia, e os terrores da morte me abatem; o temor e o tremor me penetram, o pavor me envolve e deprime! ” (Salmo 54 (55), 5-6).
A pergunta sobre a morte e o sofrimento é uma constante em meio aos homens. Por que o sofrimento? Por que a dor? Por que a morte? O coração do homem se angustia diante dessas realidades. A morte é um terror, um assombro, é um despertar ao nada e ao desespero. O forte e o fraco estão à espera da morte, pois ela virá igualmente à ambos. A alegria cessará, a incerteza chegará, e o que restará? Mas, por que a morte, por que o sofrimento, por que as doenças, os problemas genéticos, a dor, a angustia e o pavor? Se Deus me ama por que tudo isso? Se só Deus é Criador, por que o mal?

Na Origem do mundo e da humanidade pode-se entender que Deus não é a causa do mal, porque ao criar fez com perfeição todas as coisas, como diz o Livro do Gênesis tudo que Deus criou Ele viu que era bom (Gênesis 1,4.10.12.18.21.25.31). A cada criação, Deus que é Suma Perfeição e Bondade, só poderia criar algo Perfeito e Bom, pois se fosse diferente, se Deus criasse algo imperfeito e mau iria contra o seu próprio ser. Logo, seria impossível. Não poderia Ele que é totalmente Bom, fazer o mal, ou Ele que é plenamente Perfeito criar algo imperfeito. Seria ontologicamente incoerente. Contudo, Deus viu tudo que tinha feito: era muito bom. (Gn. 1,31).

Sobre este assunto Santo Tomás de Aquino nos diz: “É necessário dizer que o mal, de algum modo, tem causa. O mal é a falta do bem que naturalmente se deve ter” (Suma Teológica q. 49, A causa do mal, art. 1). O mal é a falta do bem. Ora, todas as criaturas provêm de Deus e são ontologicamente boas, porque são participantes do ser divino, ou seja, essências boas. Ora, Deus criou os anjos e os homens. Logo, os demônios e os piores dos homens, em seu ser, são bons pois foram criados por Deus. Mas se são bons, por que há maldade?  

O Doutor da Graça vai responder sobre essa questão, dizendo que: A natureza do homem foi criada no princípio sem culpa e sem nenhum vício. Mas a atual natureza, com a qual todos vêm ao mundo como descendentes de Adão, tem agora necessidade de médico devido a não gozar de saúde. O sumo Deus é criador e autor de todos os bens que ela possui em sua constituição: vida, sentidos e inteligência. O vício, no entanto, que cobre de trevas e enfraquece os bens naturais, a ponto de necessitar de iluminação e de cura, não foi perpetrado pelo seu Criador, ao qual não cabe culpa alguma. Sua fonte é o pecado original que foi cometido por livre vontade do homem. Por isso, a natureza sujeita ao castigo atrai com justiça a condenação. (Santo Agostinho, A Graça I,pag.115.)

Dessa maneira pode-se concluir que, verdadeiramente, o mal não provém de Deus, mas da livre escolha que os primeiros homens, Adão e Eva, fizeram no passado e ainda hoje, toda a humanidade é herdeira desses males. Mas, no Gênesis, no ato da criação de Deus, Adão e Eva, ainda sem a corrupção causada pelo pecado, eram pessoas esplendidas. 

Deus não os fez humanos comuns, submetidos às leis ordinárias da natureza, como as da inevitável decadência e da morte final, uma morte a que se seguiria uma simples felicidade natural, sem visão beatifica. Também não os fez sujeitos às normais limitações da natureza humana, como são as a necessidade de adquirir conhecimentos por meio do estudo e de pesquisas laboriosas, e a de manter o controle do espírito sobre a carne por uma esforçada vigilância. (TRESE, Leo J. A Fé Explicada, 47).

Leo Trese deseja recordar, que os primeiros pais possuíam dons extraordinários, não vistos hoje na humanidade, pelo motivo do pecado original. Esses dons, a Santa Igreja os denomina como preternaturais (significa fora ou além do curso ordinário da natureza in A Fé Explicada.), são dons que não pertencem por direito à natureza humana e, no entanto, não está inteiramente fora da capacidade da natureza humana possui-los ou recebe-los. Dons preternaturais são, a saber: a sabedoria de ordem, que é um conhecimento superior de Deus e do Mundo, quase como o conhecimento angélico, mas ainda não tão eficiente; uma elevada força de vontade e o perfeito controle das paixões e dos sentidos; a ausência de dor e da morte, ou seja, no fim da vida terrena os homens providos por esses dons, entrariam na vida eterna de corpo e alma, sem a morte, que é a separação da alma e do corpo. Toda essa vida de união com Deus é conhecida como graça santificante. Assim, Deus criou a Humanidade, perfeitos e bons, sem dor e sem a morte, portanto, sem nenhuma maldade.

Adão e Eva não só foram criados bons, mas foram criados para submeter a terra como intendentes de Deus, governa-la de modo sadio e zelosa, à imagem do Criador “que ama tudo o que existe” (Sb. 11, 24). Eram participantes da Providência de Deus em relação as demais criaturas. Foram constituídos em uma amizade com seu Criador. “Eles ouviram o passo do Senhor Deus que passeava no jardim à brisa do dia.” (Gn. 3,8a). Eram participantes da vida divina. 

Por livre vontade, o homem cometeu o pecado Original, que é a causa do sofrimento e da morte. A consequência de não ter escolhido o Sumo Bem, foi a separação da vida divina. Se o homem sofre, padece, é consequência de suas próprias escolhas. Pecando, o mal entrou no mundo e no homem e afetou toda realidade criada, o cosmo. Gerando na humanidade doenças, problemas em toda a criação e sofrimento.

Já que o homem é causa da maior angustia em sua própria vida, como lidar com o problema da morte e da dor? E qual sentido a humanidade deve dar a essas realidades? Essas questões serão respondidas séculos depois do ocorrido no Éden. Deus veio ao encontro do homem para socorre-lo, para restaurar a dignidade inicial. “Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela, Ela [a linhagem] te esmagaras a cabeça e tu ferirás o calcanhar. ” (Gn. 3, 15). Nesse trecho de Gênesis, já demonstra uma visão soteriológica de Deus, o Redentor da humanidade que virá pela nova Mulher.

Cordeiro inocente, mereceu-nos a vida com a livre efusão do seu sangue; n'Ele nos reconciliou Deus consigo e uns com os outros e nos arrancou da escravidão do demônio e do pecado. De maneira que cada um de nós pode dizer como Apóstolo: o Filho de Deus «amou-me e entregou-se por mim» (Gl 2,20). Sofrendo por nós, não só nos deu exemplo, para que sigamos os seus passos, mas também abriu um novo caminho, em que a vida e a morte são santificados e recebem um novo sentido. (Gaudium et Spes 22, § 4º).

Cristo é aquele que por sua morte “faz novas todas as coisas” (Ap. 21, 5), dá um novo sentido a realidade da dor, da morte e da vida. Com Adão e Eva, o plano de Deus para a humanidade fora rejeitado. Por tal escolha, os primeiros pais optaram pela dor e a morte, origem da presente angustia humana. Todavia, Cristo redime toda a humanidade e aplica sentido a dor, ao sofrimento, a morte, porque “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14), fez com que a maldição (cf. Gn. 3, 16-19) do homem passasse a possuir valor salvífico e de santificação para si e para o seu próximo. Pela morte do Vivente, a vida se fez possível aos mortais. O Verbo eterno ao se encarnar para salvação do homem, assume para si o pior das humilhações humanas, assume para si a dor e o sofrimento, como diz o profeta: “não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar (Isaías 53, 2b.). ” O Amor primordial não foi amado pelos homens, mas ao contrário “era desprezado e abandonado pelos homens, homem sujeito a dor, familiarizado com o sofrimento, como pessoa de quem todos escondem o rosto; desprezado não fazíamos caso nenhum dele. (Isaías 53, 3.) ”  

Deus que é o vivente morreu, para da morte tirar a vida, sofreu para dar sentido ao sofrimento. “E, no entanto, eram nossos sofrimentos que ele levava sobre si, nossas dores que ele carregava. (Isaías 53, 4a.) ”. Antes de Cristo a morte era sem sentido, mas em Cristo ela foi transfigurada em ressurreição. Por isso, Ele “foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca, como cordeiro conduzido ao matadouro; como ovelha que permanece muda na presença dos tosquiadores ele não abriu a boca. (Isaías 53, 7.) ”. Com Cristo a humanidade pode jubilosamente exultar: “A morte foi absorvida na vitória. Morte, onde está sua vitória? Morte, onde está seu aguilhão? ” (I Cor. 15, 55 In Os 13, 14.).
Assim como Jesus Cristo viveu, sofreu e morreu, toda a humanidade é exortada a viver. Ele dignificou a vida humana, possibilitando aos homens uma vivência na presença de Deus. Por suas ações redentoras, transformou a vida humana e deu sentido a ela. E, por meio da imitação da sua vida a humanidade poderá entender o verdadeiro sentido da existência humana.  

Ele é “Imagem de Deus invisível” (Col. 1,15), Ele é o homem perfeito, que restitui aos filhos de Adão semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado. Já que, n'Ele, a natureza humana foi assumida, e não destruída, por isso mesmo também em nós foi ela elevada a sublime dignidade. Porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado. (Gaudium et Spes 22, § 3º).

Por Cristo, a morte tornou-se um dom, o que antes de sua morte redentora era sinônimo de angustia e desespero, passou a ser dom de Deus aos homens, tornando-se para os que o amam e o buscam, a única forma de contempla-lo face-a-face. “A fé cristã ensina, além disso, que a morte, a que não se estaria sujeito não fosse o pecado, será vencida graças à misericórdia do Salvador, quando se recuperar a salvação perdida com o pecado. ” (Gaudium et Spes 18, § 3º). Deus chama e insiste com o homem à união com ele e à comunhão com sua vida divina. Por graça da ação redentora de Cristo, a humanidade pode chegar a contemplar a visão beatífica, ou seja, Deus será reconhecido e amado pelos homens em sua unidade, de forma clara, aberta e sem uma intermediação. Poderá o homem contemplar Deus como Ele é, com toda sua beleza, esplendor e glória. 

Eis o grande e admirável mistério do ser humano, que a revelação cristã manifesta aos que creem. E assim, por Cristo e em Cristo, esclarece-se o enigma da dor e da morte, que nos sufocaria não fosse o Evangelho. Cristo ressuscitou, destruindo a morte com a própria morte, e deu-nos a vida, para que, como filhos no Filho, clamemos no Espírito: Abba, Pai. (Gaudium et Spes 22, § 8º).

A morte passou a ser a forma de corresponder a sede de felicidade plena da natureza humana. É o encontro definitivo de duas sedes a Deus: a que sempre buscou a humanidade, e a sede dos homens, por plena realização. Diz o prólogo do Catecismo da Igreja Católica que o homem foi criado para glorificar a Deus, mas também para conhece-lo, ama-lo e adora-lo. E é verdadeiramente essa a vocação final do homem. O espírito e a vontade do homem serão elevados para visão de essência divina, pela lumen gloriae, luz da gloria, que os viventes o contemplam pela luz da fé, lumen fidei.

A morte é algo que ainda assombra os corações dos homens mesmo com esse aspecto redentor trazido por Cristo. Pois, na morte ainda se realiza a violenta separação do corpo e da alma. No entanto, os cristãos são convidados a vivenciar a fé do encontro pleno de realização com aquele que é eterno e portador de toda glória.  O maior dom da redenção dada por Cristo é a graça de contemplar, ver a Deus. Não deve haver maior anseio no coração do cristão do que esse de estar diante de seu Deus.
“Minha alma aguarda pelo Senhor, mais que os guardas pela aurora. ” (Salmo 130 (129), 6).


Leonardo Raimundo Ferreira

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Bom dia, querida amiga, eu gostaria de fazer uma pequena correção no que você comentou.
      Deus não é o criador do mal e nem da morte, como foi dito acima,ambos entraram no mundo por meio do pecado original.
      Escolha dos primeiros "homens", Adão e Eva.
      Nosso Criador por ser Deus é plenamente BOM, logo, não poderia criar ou fazer o algo diferente disso. O mau, o pecado, a morte, o sofrimento, as doenças e o erro não provem de Deus.
      Fique com Deus e obrigado pelo comentario.

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  2. Sabias palavras Leonardo. Continue assim sempre trazendo boas reflexões para nossa formação. #ParoquiaNossaAparecida
    #ParadaModelo

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