A espiritualidade é a forma pela qual o homem se relaciona com o transcendente, com o próprio Deus, e é a partir dessa via que o homem vai ao encontro da união divina. A espiritualidade é a forma de diálogo divino; ela é a porta para do quarto nupcial, pelo qual a alma, amada, encontra o Amado, Deus; ela é também a mesa do banque, ao qual a alma busca o seu alimento de cada dia.
I – Importância da Espiritualidade;
Quando se volta os olhares para o mundo contemporâneo, encontra-se uma grande crise de sentido, primeiramente pela descredibilidade gerada pela falta de testemunhos que se façam reais e deem esperança àqueles que procuram um sentido para que possam se direcionar à uma realização pessoal. A crise de testemunho gera uma crise metafisica, em que as pessoas já não creem tanto assim naquilo que não é sensitivo. Daí também se vê o grande crescimento das seitas, que buscam nos sentimentos uma prova da existência de Deus. Isso gera outra crise, que
é aquela do “fiel abandonado”, pois quando ele já não sente mais nada em sua vivência religiosa, ele crê que Deus o abandonou ou até mesmo chega a precipitada afirmação de que Deus não existe.
Vê-se que, esse fiel, que chega a negar a sua fé é como um barco à deriva, pois ele não buscou se apegar naquilo que é essencial, mas sim naquilo que é superficial na relação com Deus, e, geralmente, se ele age assim com Deus, provavelmente, age da mesma forma com o seu próximo, gerando aí uma outra crise, a das relações. E é propriamente disso que tratamos quando falamos de espiritualidade, pois ela é a forma de relacionar-se com o transcendente, a escada pela qual a alma ascende ao céu. Uma alma sem espiritualidade é uma barco sem velas, pois é pela espiritualidade que podemos continuar sendo impulsionados pelo Espirito Santo.
Com isso, vê-se que a espiritualidade é de extrema importância para a vida cristã, pois é ela que sustenta o fiel e é a janela pela qual o fiel pode contemplar a presença de Deus em seus jardins, para, então, poder provar do vinho novo de sua adega, para entrar no “quarto nupcial”, para, assim, alma amada ser transformada no Amado, como diz Santa Teresa d’Ávila: “O Senhor introduz a alma nessa Sua morada, que é o centro da alma (Castelo Interior, Sétimas Moradas – Cap 2,§9)”, “a alma está tão inteiramente transformada que não se reconhece mais, nem se lembra de que para ela haverá céu, vida ou honra. Ela se dedica por completo a promover unicamente a gloria de Deus (Castelo Interior, Sétimas Moradas – Cap 3,§2)”.
II – O que compõe a Espiritualidade;
Como já começamos a analisar, a espiritualidade é a forma como fiel se relaciona com Deus e esse relacionamento tem em vista diferentes formas de linguagem. A espiritualidade é um relacionar-se por inteiro, de todo ser, de corpo e alma. Por isso, ela abrange âmbitos da vida que precisam estar em sintonia, como por exemplo o crer e o agir segundo o que se crê.
Para que o crer e o agir se mova consonantemente, é preciso ter em conta elementos essenciais para o crescimento espiritual. Esses elementos são: a Mística e a Ascética, o Carisma, e as três vias – purificativa, iluminativa e unitiva –. E dentre alguns elementos importantes elencamos três, que ajudarão a alma fiel a caminhar cada vez mais para a perfeição e união com Deus.
a – Mística e ascética;
A palavra Mística designa: “realidade escondida que se propõe a um tipo de experiência que conduz à união com o absoluto (MONDONI, Danilo. Teologia da Espiritualidade Cristã)”; “A mística é a parte da ciência espiritual que tem por objeto próprio a teoria e a prática da vida contemplativa, desde a primeira noite dos sentidos e da quietude até o matrimonio espiritual (TANQUEREY. § 11)”.
Na vida do fiel, a mística se aplica na medida em que o indivíduo vai avançando na vida espiritual e na união com Deus, pois quanto mais a alma estiver perto de Deus, mais ela tende contempla-lo e cada vez mais também unir-se a Ele. Nesse sentido, entende-se que a mística é um amadurecimento no amor divino, em que a alma fiel busca conhecer o Amado Deus e quanto mais ela conhece, mais ainda ela se configura a Ele e, consequentemente, o ama cada vez mais. Com isso, vê-se que essa mística gera uma obra de transformação, pois o corpo segue aquilo que a alma crê, daí surge a ascética, que é a responsável por inclinar a vontade humana à vontade de Deus.
“A palavra Ascética vem do grego, e designa todo o exercício laborioso que se refira à educação física ou moral do homem (TANQUEREY, §3)”. A ascética é o meio pelo qual a alma busca purificar-se de suas más inclinações, onde pelo esforço de sua vontade, auxiliado pela graça, ela chega a uma constância e progressão na vida moral. São Paulo para fazer uma defesa da ascese dá o exemplo do atleta, e dirá: “Acaso não sabeis que, no estádio, todos correm, mas um só ganha o prêmio? Correi de tal maneira que conquisteis o prêmio. Todo atleta se impõe todo tipo de disciplina. Eles assim procedem, para conseguirem uma coroa corruptível. Quanto a nós, buscamos uma coroa incorruptível! (...) Trato duramente o meu corpo e o subjugo, para não acontecer que, depois de ter proclamado a mensagem aos outros, eu mesmo seja reprovado (ICor 9,24-27)”. E é puramente para que, como diz São Paulo: após ter proclamado a mensagem; e isso quer dizer que: após ter proclamado a fé. Não seja reprovado, e perca o a vida eterna. E é exatamente sobre isso que Jesus diz: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor! Senhor!’, entrará no reino dos Céus, mas só aquele que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus (Mt 7,21)”.
Qual seria então a vontade de Deus para a vida de cada um de nós? O próprio Cristo no evangelho nos responde: “Sede, portanto, perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito (Mt 5,48)”.
Com isso, podemos entender a grande importância da mística e da ascética para a vida cristã, uma vez que a vontade do Pai para cada um de seus filhos é que sejamos perfeitos e ele pede isso, porque com o batismo nós nos tornamos imagem de Cristo, membros de seu corpo místico e, assim, o chamado de Deus às almas fieis é que elas se identifiquem por completo, de corpo e alma com seu Filho amado, tendo os mesmos atos, palavras e pensamentos que ele. Por isso, a mística e a ascética são tão importantes, pois a mística nos faz contemplar os mistérios de Deus e a ascética proporciona que a contemplação se torne real e integral, onde verdadeiramente o verbo divino se torna carne em nossa carne.
b – Carisma;
O Carisma é um dom extraordinário dado gratuitamente por Deus em proveito da comunidade. Assim São Paulo afirma: “Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo, (...). Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. (I Cor 12,4-7)”.
Descobrir qual é o seu carisma é essencial para o caminho espiritual, pois o carisma é aquilo pelo qual a alma se alimenta. É a forma pela qual a alma expressa a fé, esperança e a caridade e é a forma pela qual ela capta esta mesma fé, esperança e caridade. O carisma é como que a linguagem pela qual Deus fala no íntimo do coração. Deus dá as almas carismas, mas, como afirma São Paulo, todo carisma é para a utilidade de todos, como isso se entende que o Carisma é um dom de relação, que faz com que a alma se torne parte, membro de uma comunidade. Muitas das crises de fé, entre os fiéis, decorrem de uma debilidade de carisma, pois as pessoas têm a necessidade de se sentirem uteis no ambiente em qual se encontram, assim, quando elas não se sentem uteis vão buscar em outros lugares as suas satisfações. O Carisma é um dom que se manifesta de várias formas, por uma habilidade, um dom espiritual, entre outros.
E preciso que estejamos sempre atentos àquilo que nos encanta na vivencia religiosa, pois é naquilo que nos identificamos que, a princípio, Deus usa para se comunicar conosco pois, é naquilo que nos identifica que a nossa alma está mais inclinada e é por isso que Deus usa de nossas pré-disposições para se comunicar e nos atrair cada vez mais a Ele.
O Carisma está vinculado sempre a pessoa de Cristo, e sempre também vinculado a um mistério da vida de Cristo. Por isso, vê-se uns que se identificam com o mistério da cruz, uns com a ressurreição, outros ainda com o ministério profético, ou de cura, ou com a vida contemplativa (oração de Jesus). Uma coisa que é preciso ficar bem claro é que, todo carisma é um dom para a melhor identificação com Cristo, pois, quando realizamos e manifestamos os carismas na comunidade, é o próprio Cristo que age e se manifesta.
c – Purificação, Iluminação e União;
Os três elementos são conhecidos também como as “três vias”, que promovem na vida espiritual do fiel um grande crescimento, pois eles estão envoltos ao processo de conversão, com isso vê-se todo o processo de conversão. Começa com a purificação do pecado, seguida da iluminação da consciência, para, por fim, chegar à união íntima com o próprio Deus.
As três etapas dessa via, não se dão em estágios, pelo qual a alma vai passando, é claro que em determinado período do processo de conversão se foca mais em uma do que outra, mas, podemos dizer que as três vias agem de forma simultânea, ao passo que a alma é purificada pela iluminação que Deus concede a ela, e essa iluminação se dá a partir de nossa proximidade a Deus, a luz divina que nos vem iluminar.
Diácono Rafael Algusto
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