Introdução
Gênesis 3 |
O texto sagrado de
Genesis, no capitulo 3, traz a tentação e queda dos primeiros pais, Adão e Eva,
onde o escritor hagiográfico faz uso de elementos naturais para explicitar uma
realidade humana e divina. A utilização de figuras ambientais para explicar as
realidades invisíveis é um recurso pedagógico que os escritores sagrados
utilizam para melhor compreensão, uma vez que em tudo na natureza tem possui
uma ordem divina, assim também a humanidade possui a mesma ordem. Com isso, o
escritor sagrado usa dessa ordem criacional para fazer a humanidade entender a
sua própria ordem e sentido da sua vida, contrapondo as desordens em que se
encontram.
1 – Serpente (v.1)
Em primeiro lugar o
escritor sagrado traz a imagem da Serpente,
como a grande imagem do tentador, e o escritor tendo em vista a natureza
desse animal, usa desses elementos para equipara-lo a imagem do demônio. Assim,
o fato de parecer traiçoeiro e astuto, e sobretudo o seu veneno, o tornam um
animal temido e sinistro, sem falar do olhar fascinante que o povo lhe atribui.
Outro elemento
interessante é que a serpente já possuía como imagem, uma grande relevância nos
cultos pagão, assim, essa mesma também dá um sentido de que ela é o sinal dos
falsos deuses pagãos que eram cultuados principalmente no Egito, Babilônia (o
deus-serpente shahan), Canaan e
Grécia.
2 - O Diálogo (v.1s)
O Escritor trás em foco
a via de queda dos primeiros pais, mostrando a fragilidade da humanidade diante
das tentações, e trazendo em foco que a humanidade cai no pecado quando ela
deixa de dialogar com Deus e passa a dialogar com as tentações, dessa forma, o
demônio a confunde e descentraliza do foco original (Deus), trazendo as dúvidas
e curiosidades, que naturalmente brotam no íntimo do homem.
O discurso do tentador
é sempre um discurso que tenta retirar o homem de seu foco original, assim, o
tentador sabe que desviando os olhares do homem de Deus, ele consequentemente e
automaticamente colocará a sua atenção em qualquer outra coisa, e principalmente
nas coisas relacionadas à tríplice concupiscência (Prazer, Ter e Poder).
O escritor sagrado
coloca em evidencia por meio dessas figuras, a própria realidade existencial do
homem, feita de fragilidades e anseios. Dessa forma também, vê-se que a
tentação vem sempre para alimentar um exagero ou produzir uma falta nas
inclinações naturais da humanidade, promovendo um sair da justa medida para uma desordem interior do homem.
Portanto, a ideia do diálogo dá uma nítida
conclusão de que, assim como a fé chega pelos ouvidos, pela Palavra Criadora, da mesma forma a
infidelidade chega pelos ouvidos, pelas palavras
destruidoras do demônio. Com isso, entra a contraposição em o diálogo
divino e o diálogo tentador. Uma vez que, o diálogo é composto de duas realidades
que se comunicam entre si, entende-se que não há como haver um diálogo entre o
homem, Deus e a tentação. Assim, entende-se que o homem ou está em diálogo com
Deus ou com a tentação.
3 - O Fruto (v.2)
O símbolo do fruto
proibido é concisamente a imagem do mandamento à vida, a ideia das duas
vias, que vai perpassar os séculos,
a via da vida e a da morte, o bem e o mal. Consequentemente o mandamento mostra e explicita a liberdade que o homem possui diante de
suas escolhas, e juntamente vem a imagem da maior expressão dessa liberdade,
que é a obediência, pois não há maior sinal de liberdade do que escolher por
liberdade obedecer o preceito.
A problemática não está
no referido fruto, mas sim envolto ao fruto, que traz em si uma gama de sutis
valores sociais, humanos e divinos. Assim, o fruto que mostra-se atrativo,
alimenta e aguça a curiosidade de provar tais “sabores”, e assim, vê-se que o escritor sagrado quer mostrar que o
homem facilmente, quando sozinho, é levado pelos seus desejos às portas da desobediência
e da transgressão.
Assim, com essas
imagens, o escritor sagrado quer mostrar o que levou o homem à queda e as
consequências dessa queda. E, dessa forma, entende-se que a queda dos primeiros pais é o protótipo de todo
pecado e contém os seus elementos essenciais, pois em todo pecado se verificam
as três premissas da serpente que contrapõe aos três dons preternaturais: “jamais morrereis”(dom da imortalidade),
“Sereis como Deus”(dom do domínio de si) e “conhecimento o bem e o mal” (dom de
ciência infusa), todas essas três premissas estão relacionados com o pecado
da Soberba, que é o pecado que faz o
homem querer ser e acreditar ser que é aquilo que ele não é. E as consequências do pecado, que são os frutos desse mesmo são:
o desencanto, vergonha e a concupiscência.
4 - O julgamento do homem (v. 9-24)
O julgamento começa com
uma cena que mostra a intimidade entre Deus o homem, a familiaridade em que o
homem gozava de Deus no paraíso. O homem se esconde ao ouvir os passos e Deus no jardim, eles se escondem,
pois, ao perderem a intimidade da presença, e ter tido conhecido o pecado,
sentem agora vergonha, culpa e remorso, pois, seu erro é como uma mancha que
sujou a perfeição da criação.
Deus chama o homem: “onde estás?”, e ele escondido confessa
seu pecado, e constata a sua nudez, que é o sinal da perca da inocência, da
pureza da pura intimidade e do amor esponsal que havia na relação entre o homem
e Deus.
O julgamento de Deus,
mas do que uma punição dEle ao homem, é uma realização da sua justiça, não é Deus
que condena o homem, mas o próprio homem é que escolhe o caminho a seguir, e
como já falado, um leva a vida e o outro a morte. Assim, entende-se que Deus é
o justo juiz, e o que Ele faz é simplesmente avaliar o agir do homem e afirmar
o próprio caminho que o homem escolheu para seguir. O homem mesmo é o seu
próprio acusador, uma vez que ele usa de sua liberdade para eleger entre a
salvação e a perdição.
Com isso, vê-se que o
julgamento de Deus, nada mais é que a afirmação da liberdade humana, onde Deus somente
eterniza a escolha primordial que o homem faz a partir da sua própria
liberdade.
5 – Condenação da Serpente (v. 14-15)
A condenação da
serpente a rastejar sobre seu ventre e comer o pó da terra é o sinal da derrota
do demônio, e por isso ele sempre será calcado sob os pés de Deus. Também
mostra que mesmo o demônio tendo forças, ele sempre será inferior a Deus e ao
Homem junto a Deus. A ideia da queda do demônio, como aquele que rasteja, é a
ideia também da queda dos primeiros pais, pois uma vez que o demônio cai e se
afasta de Deus, da mesma forma o homem quando cai, ele consequentemente se
afasta e se rebaixa a mesma condição do demônio.
6 – Protoevangelho (v. 14- 15)
O escritor sagrado tem
a grande preocupação de não só explicitar uma tragédia, e demonstrar como ela
aconteceu. Mas, ele tem uma preocupação de apontar uma via pedagógica onde o
homem que cai, não está condenado a permanecer caído, mas pode e poderá ser
restituído em sua imagem e semelhança a Deus.
A imagem da mulher toma
uma nova expressão, e a sua descendência retoma o protagonismo na história.
Assim, a mulher Eva, a mãe da humanidade, que perdera o seu lugar, agora a nova
Eva, a mãe da divindade, retoma a construção da história, resgatando a história
pela sua descendência, regatando os degredados filhos da antiga Eva. Agora a
nova Eva, a Ave Maria, é o sinal da reconciliação que traz no seu ventre a Divina Misericórdia, o Divino Misericordioso.
O escritor sagrado,
deixa explicito em seu texto a promessa escatológica, manifestando a esperança
de um novo reino, de uma nova ordem, uma nova harmonia existencial e
criacional.
7 – Expulsão do Paraíso (v. 23-24)
A expulsão do Paraíso
mostra o rompimento com a intimidade do homem com Deus. Esse rompimento dá-se
pela mancha da desobediência que impede que o homem se entregue por inteiro a
Deus.
Deus sendo pura
perfeição, cria tudo segundo a sua própria perfeição, com uma ordem e harmonia,
para que todo seja consonante entre si. E para coisas tão perfeitas Deus
plantou um jardim. A imagem do jardim é o símbolo da vida e da harmonia, imagem
da beleza, bondade e verdade, atributos divinos que permanecem como uma
impressão digital em toda criação. Ali Deus colocou o homem, como a coroação da
criação, imagem e semelhança do próprio Deus, para reger sobre toda perfeição
criacional. Assim, vê-se que o Paraíso é o lugar da perfeição, da ordem, da
perfeita relação intima com Deus.
O homem após o pecado,
traz para dentro de si uma desarmonia que o impede de unir-se a Deus e
relacionar-se perfeitamente. Com isso, Deus expulsa o homem do paraíso como
consequência da escolha do próprio homem, e o coloca no dissonante mundo, onde
terá que conviver com as adversidades até o fim de seus dias, lutando pela sua
subsistência.
Portanto, a expulsão do
homem do paraíso quer mostrar que toda vez que o homem transgride o preceito
divino, ele se afasta de Deus, e é posto em seu próprio lugar segundo a sua
própria escolha. Assim, o homem pela sua soberba de querer ser como Deus,
conhecedores do bem e do mal, perdeu seu lugar no jardim da obediência.
Diác. Rafael Augusto
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